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1976. Enquanto Bob Dylan escrevia Hurricane. Bailinho black de fundo de quintal no Parque Santo Antonio, periferia sul da cidade de São Paulo. Tem menos de memória e muito de invenção. O Xuxu era um preto sarzo da sobrancelha bem larga e vasta cabeleira, na qual metia uma mexa loira, um tempo antes de Gilberto Gil. pelo que mal me lembro, morava no Vaz de Lima, naquela favela por detrás da padaria. Tivemos vários bailes loucos lá. Será desde quando que favelado e gente preta gosta de descolorir os cabelos? porque criticar de forma tão veemente o coitado do poeta Cruz e Souza? Voltemos ao Xuxu: Ele teve de ser raçudo e bom malandro pra ficar com aquela mina, pois Bete já trampava fora, tinha sua própria grana, dançava bem e já havia namorado com o Neguim do Samba. Xuxu nunca ficava atrás na pista de dança. Seu rival era boxer-capoeira, uma lenda da quebrada e falava na língua do X, quando nexexário. Então foi assim que ele namorava com a Bete. Ela baixinha, atarracada e musculosa, geralmente usava camisa com a manga arregaçada, parecia gostar da própria imagem de autonomia e sapiência que incutia na gente. Via de regra o passada de gente como nós e tido como uma massa cinza, amorfa e disforme. Eu tenho direito a ler diamantes no chão e pérolas no esgoto a céu aberto e bem perto de mim. Ratazanas podem ser dragões e baratas espiãs internacionais. De forma tal, que toda garotada realmente a admirava pelo senso de liderança e maneira que tratava seus homens. Ela filha do seu Tisnal e Dona Marlene. Tinha uma família grande e cheia de agregados. Eles todos paulistanos negros que migraram do Bexiga. Mestres nos Samba Rock. Cinquentões festeiros e modernos, mô respeito, ali ninguém folgava. Eu cheguei bem devagar e no sapatinho. Em principio ficava do outro lado da rua, na porta da casa da Ide, de soslaio olhava a filha deles, a Eliana, que não tá na foto. Toda roupa que estou usando nessa foto, inclusive os sapatos, eram de segunda mão, vindas das doações das patroas de minha mãe. Atrás é a Edna colega de escola, dona da casa. Talvez o namorado e irmã. Eles (Xuxu e Bete) sentados sobre a caixa de som, um privilégio naquele Parque Santo Antonio de casinhas meiáguas de ralo reboco sobre o tijolo baiano. Povoado na sua maioria por baianos, cearences, mineiros, paraibanos e também ex-italianos, ex-japoneses, ex-húngaros, ex-poloneses dispersos por terrenos de 5 de frente por 25 de fundo. Stanislau, que deus o tenha, era branco e tão bom quanto Pelé, mas seus avós eram racistas demais. Por isso desde tenho essa mágoa espessa contra os Grotowisks, Stanislawisks e outros homens do leste do mundo. Só queríamos aprender com Nene a jogar melhor, mas seu Stan sempre dava um "passa daqui negrilhons" na gente. talvez nesse seja exatamente isso, na memória tudo fica muito confuso. Mas, uma coisa é certo: É duro saber que fomos tangidos feito gado do fundo dos vales das gerais para as beiras da cidade máquina de moer gente, pra gerar dinheiro pra poucos, em nome da modernização. Há algo de inacreditável na nossa sobrevivência, mais soberba ainda é nossa refeita/inventada memória dos trajetos. Trânsito do ónibus Vaz de Lima- Praça da Bandeira, viação Jurema, passando pelo centro industrial de Santo Amaro, largo 13 de Maio. Eu,sou juremeiro desde moleque. Eu sempre Rio com dentes cerrados, não por falta de graça, mas por medo. Uma coisa que tenho refletido ultimamente diz respeito ao processo de construção de minha auto-imagem como pessoa negra. hoje, penso que boa parte da positividade da pertença tem muito da sociabilidade com essas pessoas do meu bairro, algumas de idade acima e a maioria na mesma faixa etária. O baile, a roupa, as brincadeiras, a dança, a paquera , várias fontes de afetividade e acolhimento. Os códigos de comportamento e valores morais, uma ética de precariedade mesclada com um viver cheio de promessas de futuro, integração e acesso, mesmo que dificultado por inúmeras barreiras reais intangíveis, que vamos descobrindo. Por exemplo o ponto mais alto do Parque Santotônio deve estar no mesmo nível acima do mar que a Avenida Paulista. O relógio podia ser visto em noites sem neblina. Como se fosse parte de uma mesma cidade. Porém descobrimos mais tarde que não era. havia um fosso enorme entre os dois morros. Esse fosso só fez aumentar? Ou foi nessa percepção que migrou? Outra coisa, era a escola, por exemplo. Até quando o Monsenhor João Batista de Carvalho foi construído, dá ponte para cá, em toda área da Mboy Mirim não havia uma unidade pública de Ensino Médio. Evidente, essa política, em si, determinava quem deveria ir para o mercado de trabalho só com a oitava série, mesmo que gostasse muito de estudar. Ao fechar esse horizonte para os jovens, selava-se também o imaginário dos adultos, cujas origens também ja eram famílias excluídas educacionais, há mais de 4 ou gerações. O baile, mais do que o ambiente escolar, fundamentou minha pertença e definiu meu lugar no mundo.

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